sexta-feira





Distância 

Não gosto de ser radical com nada. Com pouquíssimas coisas eu sou. Mas fala sério: é muito desagradável aquela pessoa que fala de muito perto, normalmente te pegando, quase se encostando a seu nariz. Eu não suporto.
Em contrapartida, como é bom falar com seu amor bem de pertinho, nariz no nariz, boca na boca, olhos nos olhos. Trocando confidências e fluidos. Provocando a fabricação de outros fluidos. Misturando os desejos e cheiros. Provocando a fabricação de outros cheiros. Sentindo os corpos e seus gostos. Provocando a fabricação de um outro gosto. Descobrindo os sonhos e os prazeres. Provando outros prazeres.
Mas nada pode ser infinito, exagerado. Tem hora que é preciso uma certa distância. A proximidade diária pode ser sufocante e assim gerar uma rotina chata, entediante. A evidência de uma proximidade sem hora para acabar pode aniquilar a paixão, o entusiasmo. Assim a distância se torna necessária, para que venha a saudade e com ela a vontade de estar junto.
Entretanto, a distância duradoura é uma inimiga mortal. Aniquila a esperança, enterra fantasias, causa desejos reprimidos, demonstra o descaso e o desprezo. A distância impede o cuidado e a dedicação. Assim, mata a admiração, a devoção, a confiança, a entrega, a paixão e o amor.
Se não mata por completo, desanima quem nutre os sentimentos pelo outro, pois ela provoca dor e sofrimento, dúvidas e medos, mágoas e carências.
Então como resolver tudo isso? 
É preciso saber medir a distância. É preciso não estar muito longe para não se mostrar ausente, mas não muito próximo para não se mostrar cansativo. E é uma questão difícil. É preciso ter sabedoria para se afastar ou aproximar na hora certa. Para estar presente sem sufocar, ou ausente para não virar rotina.
Se o objetivo é uma caminhada a dois, essa sabedoria é essencial. O par não pode oferecer migalhas, nem se entregar a ponto de sufocar.
Só um meio termo leva ao objetivo.
Só a distância certa traz felicidade. Uma certa distância. 
Então, perceba o que faz. Não provoque sofrimento, se importe com ele. Não fique ausente. Não tente valorizar sua presença com sua ausência.
Evite matar as fantasias. Não impeça a esperança. Não provoque a insatisfação. Não reprima os desejos. Não cause infelicidade e insegurança.
Lembre-se: se é o alimento, não forneça apenas seus restos - as migalhas que caem ao chão, que seriam varridas e virariam lixo. Não tente sustentar com o restinho que sobra. Não tente erguer ou não deixe que tombe com o quase nada, com sobras que seriam desprezadas, com o desprezo de suas sobras.
Se exige a entrega, vá receber. Se exige a presença, vá buscar. Se exige a perfeição, busque a sua.
Mallícia

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